segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

EXIT MUSIC for a perfect night

Fotografia de LM


A noite estava perfeita. O sol ausentava-se lentamente, parecendo uma laranja à espera de ser provada.
Quando se dá um passo em direcção ao coração do Central Park e se deixa a 5ª avenida, o som ensurdecedor do trânsito é apagado pelos grilos, os faróis são aqui pirilampos que se cruzam depressa à nossa frente, os neons passam a lanternas que indicam o caminho, um dos possíveis que fazem o labirinto deste verde. Embora de noite as folhas pareçam fantasmas, os bichos assustadores, os vultos duvidosos…
A cidade deixa de ser a mesma.
Não foi difícil chegar ao Summer Stage. Guiou-me a música gravada que rasgava o Parque e ia anunciando a alegria. Cheguei ao palco. Quase que se fazia escuro: não sei se com medo que ao acenderem as luzes se aquecesse ainda mais a noite adivinhada. Os 40ºC repetem-se dia após dia, baixando só uns pontos quando se alumia a lua. Parece que vim a tempo. O primeiro acorde. Ouviu-se alguém gritar : “PUERTO RICO” (o que é curioso para saudar alguém vindo do Texas!São as múltiplas culturas deste mundo encolhido). Os aplausos responderam efusivamente, rindo. Um foco mostrou um piano vestido de relva (e não é metáfora). A imagem soberba incendiou a audiência. Não me tinha apercebido: eram pelo menos 2 milhares. Ao meu lado, pularam os que estavam sentados pelo chão e os ritmos percutidos deram o mote à dança, quase alienada, numa melodia ainda mais desconcertante, feita de jazz. Foi vertiginoso, nas mãos de Jason Moran. Quase que podia garantir que se fazia a reza da chuva. E não é que choveu?
Depois foi tempo de mudar. O perfeccionismo da entrega de Brad Mehdlau, a solo, foi de arrastar lágrimas. Tocou Jobim como nunca ouvi. O próprio iria lamentar não estar na plateia. Agora o cheiro a terra molhada associa-se à festa. O pedal do piano ouve-se a pulsar cá dentro, como aquelas vibrações graves dos concertos rock. Nas pausas, o silêncio é de cortar a respiração, de tão bonito. Mais uma vez a razão porque me move a música: por ser assim inteira!
Sei que não há instantes nem emoções que se repetem, por isso deixei o concerto ainda antes de se tocar a última nota. Radiohead- Exit music for a film. É que sempre gostei da história da Cinderela, só que desta vez não havia nem sapato de cristal, nem abóbora transformada em carruagem, nem vestido, nem Cinderela…
A noite estava quase perfeita…



5 de Agosto de 2005,


LM

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