segunda-feira, 31 de março de 2008

Chamar-se saudade...

"...A Maria juntou-se à turma e ao gatinho que tinha aparecido na escola há umas semanas, com ar de fome e abandono. A professora Inês decidiu cuidar do pequeno Silvestre e todos os dias voltava a trazê-lo para a escola, para brincadeiras de novelo com os alunos. Silvestre já tinha crescido e os bigodes estavam cada vez mais fortes e compridos. Maria só não viu o Tomás, nem na sala de aula, depois da professora Inês fazer tilintar o sino tosco. Onde estaria o amigo?
O relógio seguia em frente: tique-taque, tique-taque. A Maria entristecia. Faltava-lhe o Tomás. Parecia que tinha um poço no lugar do peito. Lembrou-se então do que a mãe dizia sobre as flores:
- Quando deixam de ser mimadas, murcham, as pétalas caem, secam. É como ter saudades de alguém. Não parece tudo mais cinzento, mais feio? E vamos perdendo a cor aos poucos.
Saudade, pensou a Maria. Devia ser essa palavra que lhe tinha feito um nó no coração. SAUDADE.



Quando a cortina esconde
E as estrelas se fecham
Se não quero ser grande
E os heróis pestanejam
Isso é saudade


Quando nunca se esquece
E faz frio sem nevar
Se o colo já não basta
E apetece tanto chorar
Isso é saudade



Quando nem guloseimas
Fazem água na boca
Se o que era muito
É agora coisa pouca
Isso é saudade


Quando parece tarde
E não me lembro da voz
Quando parece longe
E longe faz ficar só
Isso é saudade



É verdade que a saudade doía. Mas não era só isso, porque no sítio onde doía também havia um espacinho de alegria, feliz por gostar, impaciente, a desejar muito um encontro. Era como se o beijo que tinha para retribuir ao Tomás se mantivesse suspenso nos lábios, em duas metades: uma arrastava os cantinhos da boca para baixo, com a distância; outra segurava-os em cima, com a esperança. E a saudade chamou pela Maria num suspiro: ai! ..."

In "De que cor é o amor" de LM

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