quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Diário da Madeira 1

Despeço-me sempre com os olhos enxutos. Mal atravesso a porta de embarque aí estão elas: despegadas, roliças e molhadas. São lágrimas. E nem sei bem porque choro. O aperto no estômago acentua a gravidade, quase como se fosse empurrada para o chão e foçada a cravar as pernas na porta de partida, antes de partir.
Depois o voo. Mais tranquila, sorrio às hospedeiras. Gosto de ser simpática. Admiro-lhes a pose sempre adequada e firme. Olho em todas as direcções à procura da fila e do lugar e cruzo os dedos para descobrir que vou ficar sentada ao lado de um príncipe. Nunca aconteceu, vá-se lá saber porquê. Será que só montam, não voam? Desta vez vou à janela, mas prefiro o corredor. Tenho aquela tonta ideia que se algum dia o avião ameaçar cair estou assim mais perto da saída e de escapar ilesa.
23 horas.
Pego num livro. Escolhi “Hoje não” de José Luís Peixoto. Faço de conta que sou absorvida pela história. Mentira. Na minha cabeça não há lugar para outros contos, não hoje. Só os meus. E não é uma metáfora. É que tenho alguns para escrever e saem-me imagens nas circunstâncias mais impróprias. O meu saco está longe. Lá dentro tenho um bloco e caneta, companheiros inseparáveis. A hospedeira pediu-me que o guardasse. Eu deixei que ela o levasse. Preferia agora que ela não tivesse um ar tão firme e teria dito que queria o saco aos meus pés. Afinal, era onde sempre o levava, ao voar.
Penso.
Peço uma caneta ao senhor do lado e volto à primeira página do livro. Escrevo o que me vai na cabeça. Se é um crime rabiscar nas palavras dos outros, então confesso-me mais do que culpada. Faço-o tantas vezes!
Aí vem a água. Decidi aborrecer a hospedeira para me vingar da distância a que trancou o que é meu.
Ainda bem que a viagem é curta. Já não há muito espaço nesta primeira folha do livro. “Queiram apertar os cintos de segurança”. Nem o tinha desapertado. Nunca me levanto. Fecho o livro, entrego a caneta ao passageiro vizinho, olho mais uma vez a hospedeira firme, que agora me faz sentir segura, e chego ao Funchal!

LM

Sem comentários: