quarta-feira, 21 de março de 2007

Peter Pan

Digo de peito inchado que a vida por ser uma merda. 2 da manhã de quinta (ou já sexta), e estou abandonada numa qualquer estação por um metro que obstinadamente não chega. Há moribundos encostados nas paredes frias, arame, e já nem se mexem. O cheiro a mijo rói-me as narinas e quase vomito. Sinto-me um nojo dentro das minhas calças brancas, impecavelmente limpas, de gosto aprumado. Se não me conhecessem diriam que estou louca. Porque me conhecem concordam que estou. Sempre soube que o caminho é aquele que vem, e que o que percebemos pelo canto do olho numa volta de quase 180º é um rastilho que se apagou na consumação. Tenho um certo jeito para as saudades, é verdade, mas porque a ambição me assalta o sono todas as noites, insisto em não parar. De vez em quando lá vou folheando a página das lembranças e acabo por desfolhar o álbum. Sim, desfolhar. Com os dentes afiados trinco o que não quero ver, com a língua provo o que me aquece e quando me apetece. Acho que o resultado de se caminhar sozinho no desconhecido é o reflectir até à exaustão, para preencher o espaço, mesmo sem tempo. Confiem: pode ser perigoso. Na mesma medida que admiramos a cor dos olhos ou o linear dos lábios, as sardas ou as expressões rasgadas, começamos a odiar os detalhes que não existem mas que pensamos que estão lá. Repito: a vida pode ser uma merda. Até as ruas me fazem rodar o estômago cheias de lixo e cheias de gente. Calculo que não me suportando a mim é difícil suportar os outros. Há três lugares, porém, onde as nuvens substituem as enxurradas, ondas de revolta passam só a picadas, onde o que dói dói menos: a igreja, a jardim, o mar. Na falta do último, esforço-me por bater à porta do meu Deus mais amiúde e caminhar pelo verde ou, agora com chuva, pela lama. Molho os pés em ambos os casos. Na cada do Pai com lágrimas e ao pisar a relva porque ficou alagada. Mas depois de um novo silêncio, o mesmo que há 3 anos me desperta, aprendo que de nada serve o lamento quando é abafado, de nada serve o desespero se não é acalmado, de nada serve o grito se não é ouvido ou o morrer sem se ser amparado. De nada serve amar. De nada se não se ama. De nada se não serve. De nada se não se é amado. E tenho uma certeza: às vezes a vida pode ser uma merda sim, mas se não fosse contemplávamos o outro lado do passeio? Voltei a ver o Peter Pan e desta vez atravessei a estrada…

No desespero de Outubro de 2005, NY
LM

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