quinta-feira, 15 de abril de 2010

Entre a espada e a parede

Christ Church, Oxford, 28 de Outubro de 1876

Minha muito querida Gertrude:

Ficarás com pena, surpreendia e perplexa por descobrires de que estranha doença tenho sofrido desde que nos separámos. Chamei o médico e disse-lhe. “Preciso de um remédio; estou cansado.” Ao que ele respondeu: “Disparate! Você não precisa de remédios: meta-se na cama!”
Eu continuei: “Não, não é o tipo de cansaço que se cure com cama. Sinto-me cansado na cara.” Ele pareceu ficar um pouco sério, e disse: “Oh! é o seu nariz que está cansado: uma pessoa fala muitas vezes de mais quando pensa que sabe demasiado”. Eu respondi: “Não, não é o nariz. (…) e não é propriamente o cabelo: é mais em redor do nariz e do queixo.” Então, ele ficou consideravelmente mais sério, e disse: “Esteve, ultimamente, a caminhar com frequência sobre o seu queixo?” Eu respondi que não. “Bom, estou realmente bastante intrigado”, disse ele.
“Acha que o problema está nos lábios?” Ao que respondi “Claro! É precisamente isso!” Então ele ficou realmente muito sério e disse: “Penso que você deve ter dado demasiados beijos”. “Bem, dei realmente um beijo a uma criança, a uma amiguinha minha.” “ Pense melhor”, disse ele, “tem a certeza de que foi apenas um?”. Pensei e disse: “Talvez fossem onze.” E o médico disse: “Não deverá dar mais beijo algum até que os seus lábios estejam completamente descansados.”
“Mas o que devo fazer então?”, perguntei eu. “Porque, sabe, eu ainda lhe devo outros centro e oitenta e dois.” Nesse instante, ele pareceu ficar de tal forma sério que as lágrimas começaram a correr-lhe pela cara abaixo, e disse: “Pode sempre enviá-los numa caixa.”
Lembrei-me então de uma pequena caixa que tinha comprado em Dover, pensando um dia oferecê-la a alguma rapariguinha. Por isso, coloquei-os todos muito cuidadosamente dentro da caixa. Diz-me depois se chegaram bem, ou se algum ficou perdido pelo caminho.


De Lewis Carroll para Gertrude

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